quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A História Completa

Naquele dia, se levantou no horário normal, só para balançar o equilíbrio do Universo, e como segunda ação do dia, sentiu o cheirinho apaixonante do café(A primeira foi checar se não tinha sido transportado para Valinor) e então abriu um leve sorriso. Começava mais um dia, mais uma semana, e mais um mês, como se uma combinação de boas vibrações o atingissem a partir do calendário. Ah! O velho calendário, produzido em 2002, mas que surpreendentemente(e um pouco assustadoramente, por assim dizer) marcava até o dia 21 de Dezembro de 2012. O calendário era, como sua mãe muito bem chamava, um calhamaço de papel escolar de 121 folhas( os 120 meses e 1 extra, no caso do mundo não acabar segundo ele mesmo previra) com uma cacetada de coisas escritas. E em parte ela até estava certa, mas com a omissão de alguns detalhes, como, por exemplo, ter exatamente 12 milímetros de espaçamento entre cada dia, semana, dia da semana e número. O número da sorte de seu criador era 13, mas ele gostava de dar chance ao destino, subtraindo 1 número em tudo que o envolvesse, e pelo fato de números pares serem mais agradáveis para a estética humana(é o que todos os livros de arquitetura lhe disseram).

Levantou, colocou seus chinelos de Darth Vader, que ele mesmo havia feito(em um dia tedioso sem internet), e rumou em direção a cozinha, algo que não era muito difícil pelo fato de sua casa ser desconfortavelmente apertada. Haviam pães amanhecidos dentro de um saco sobre a mesa, e o tão esperado café jazia na segunda parte mais obscura da casa(a pia), próximo do escorredor de louça e de toda a tralha que sua mãe insistia em guardar. Pegou a garrafa, checou a validade do café em questão e, de uma maneira frustrante e de forma até desagradável para um outro ponto de vista, descobriu-lhe morno. Praguejou em nome dos Sete, cuspiu o café para a pia e forçosamente lavou o que havia sujado. Quando olhou em volta, e (mais uma vez) se deparou sozinho, disse para si mesmo de uma maneira ironicamente agradável: 
- Que ótima maneira de começar mais um dia emocionante.

Havia se acostumado a ficar sozinho. Desde muito cedo, sempre se viu livre em sua casa, devido a atarefada vida de seus familiares adultos. O único fato que ele mesmo esquecia era que também estava virando um adulto, e encarar de frente essa nova realidade era, de certa forma, impossível. Ficar sozinho era como se enturmava no mundo e ficar na companhia de muita gente só criava uma aura de solidão, que pelo final da situação, lhe deixava isolado de novo. 
Claro, possuía alguns amigos e eles não lhe deixavam assim, mas sua reuniões envolviam D&D, MMOs, Simuladores, conversas sobre mulheres que nunca iriam ter(?) e coisas que, em seus ambientes, só eles se interessavam.

 Eram eles:
O Lucas, mais conhecido como gigante gentil, ou só gigante. Ele tinha 1,90 de altura desde... bem, desde sempre, ou pelo menos desde que se conhecem, e isso é sempre.Sua personalidade era a mais explosiva, heroica e previsível possível, inclusive seu queixo era enorme e quadrado, um típico herói da Disney. Se ele era o gênio do grupo e Lucas o herói, o outro amigo era decididamente o gatuno, um típico bom malandro, Martin. Martin era seu nome do meio, mas como seu primeiro nome era Rudolph(e pouca gente sabia disso) acabaram por decidir chamá-lo assim logo quando se conheceram. Essa história é incrível, inclusive, mas fica pra próxima. Martin era o bom malandro, por uma série de fatores: Seu vocabulário carioquês, cheio de qualé, mermão, cumpadi, bróder, exquenta, exquece, expera, sacanági e por aí vai; Sua atitude minimamente suspeita de estar sempre com fome e fazer de tudo por um lanche; o estranho poder de sempre ter tudo que alguém precisa no momento consigo e o fato de sua origem se dar no mais afastado dos bairros da zona leste de São Paulo. Apesar de parecer terrível, ele era terrivelmente carinhoso, cuidadoso, paterno e engraçado com seus amigos, de forma que os afastava das coisas ruins e menos ingênuas. Boatos corriam que ele havia arranjado uma namorada, algo que, teriam que tirar a limpo mais tarde. Já o próximo amigo era algo entre o mago da destruição genial e algum bobo assombrosamente irritante. Como não chegaram em nenhum consenso, acabaram por colocar os dois títulos em sua ficha. Seu nome era Jimi, ou era assim que todos o chamavam pela sua identificação com Hendrix(e por não ter NADA a ver com ele fisicamente também), e por não saberem seu nome. Eles nunca perguntaram aliás. Jimi era uma miscelânea de um gênio matemático perfeccionista( um Sheldon, por assim dizer) com algum terrível contador de piadas notoriamente pervertido e um grande guitarrista de heavy metal, habilidoso e apaixonado pela música. Sim, tudo isso, e se procurassem em algum lugar, eles provavelmente acabariam achando um pouco mais. Mas apesar de tudo, era um cara legal. O último integrante de seu grupo era o Cazé, ou Carlão, Zézão, Zé, Carlinhos, John, Jiraya, Legolas, Ozzy Osbourne, Aslam, Ablon, Boromir ou qualquer outro nome maneiro da semana que eles arranjassem(o ritual é: cada um escolhe o nome da semana baseado em sua inspiração, nas reuniões de Domingo). O Cazé era o grande fiel da balança do grupo. Jogador de futebol, rápido, forte, esperto e atlético, tudo que o grupo inteiro não era. Seu conhecimento do mundo "exterior" pelo status do futebol lhes dava a visão mais ampla da existência, e ao mesmo tempo seu interesse pela cultura lhe deixava em xeque com o conhecimento que eles possuíam  Sendo assim, faziam a troca de informações e favores. Cazé também era o menos presente no grupo, mas não menos amado. Nessa sociedade, todos dividiam o mesmo fardo da amizade e suas recompensas.

Eram um grupo bacana. Ele se lembrou disso enquanto se arrumava para seu doloroso dia de aula. E por pensar nisso tudo, perdeu um tempão, e acabou se atrasando(foi aí onde o equilíbrio do Universo voltou ao normal).

 Ao chegar esbaforido e desorientado, passou pelo portão cintilante cinza de sua terrível e amada instituição escolar, e se deparou com uma visão que mudaria absolutamente tudo em sua vida, mesmo que não soubesse disso ainda. O sol do meio-dia escapava rispidamente pelo vão do pátio e de alguma forma brilhava com carinho sobre algo ligeiramente castanho, que agora figurava claro, e apavorantemente lindo. Algo vermelho lhe chamou a atenção, e quando reparou, eram sapatos. Olhou novamente para o algo castanho, e quando se deu conta, haviam sutis olhos também castanhos lhe fitando com um ar de curiosidade. Percebeu então que eram cabelos castanhos, sapatos vermelhos e ali figurava uma criatura estonteantemente linda.

 - Luis?
Olhou para si mesmo com espanto, sem desgrudar daqueles olhos, que agora lentamente balançavam para os lados, em busca de uma explicação. Recobrou a consciência e só conseguiu murmurar
- ah....
- Luis, você se atrasa sempre ou eu andei reparando muito, recentemente?
Tentou se lembrar quem ela era. Falhou miseravelmente. Tentou então descobrir como sabia seu nome.
- é... desculpe se eu parecer grosso ou idiota, mas como você sabe que eu existo?
- Como assim? estudamos juntos seu engraçadinho, é claro que sei que existe! Nós nunca nos falamos, mas sempre te vi por aí. Eu sou a Ângela.
Tentou segurar sua mão para cumprimentá-la, mas só o que sentiu foi um perfume em seu rosto e o súbito beijo de cumprimento. Avaliou, mesmo que rapidamente, o suave toque dos lábios dela. Quis deixar de existir a partir de então, só para evitar se envergonhar e enlouquecer mais. Até parece que o escritor ia poupá-lo de mais.
- é, oi. Desculpe se não falo muito, como você viu, estou meio atrasado... E desculpe se eu peço muitas desculpas! Bom tenho que ir então até mais, tchau!
Saiu como uma versão avançada do Flash em direção ao corredor e tudo que viu foi o relance daqueles olhos de novo, dessa vez acompanhados de um sorriso, quando passou pelo pátio. Aquele sorriso lhe deixou inquieto. Ela, por sua vez só conseguiu dizer a si mesma após uma risadinha:
- Não deu tempo nem de avisar sobr...

Então acordou com seu professor de Geografia lhe lançando gizes e dizendo:
- Luis, dormindo na minha aula DE NOVO?
Foi tudo um sonho. Se sentiu por 12 segundos aliviado, e ao mesmo tempo decepcionado. Não conseguia acreditar que uma garota daquela categoria reparasse nele, o que já era esperado. Ao mesmo tempo o ato de interação, não, o que ele definiria como ato de crucial importância para a História( ao menos a sua), foi incrivelmente confortante. Excluindo a vergonha, algo que ele já estava acostumado naquela altura do campeonato, Foi realmente incrível. Que desperdício, sua mente havia lhe enganado de novo. Se ajeitou e tentou entender o que acontecia na aula.
Luis, que diabo é isso vermelho na sua cara? -Indagou sua colega Bruna, que não é nem importante nessa história, nem desimportante. Uma verdadeira neutra.
- hãn?
Olhou a tela de seu celular. Era a marca de um lábio perfeitamente delineado por um batom.

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